sábado, agosto 07, 2004

De luto...

Avô

Partiste e não cheguei a tempo de me despedir de ti. Queria dizer-te que te adoro! Pode parecer tarde, e se calhar é, mas sempre nos ensinaste a ser católicos e a acreditar no que está para além do mundo terreno. Espero que através dessas crenças te cheguem as minhas palavras em forma de oração.
Sei que espalhaste o bem, que foste um grande médico e salvaste muitas vidas. Trabalhaste de sol-a-sol sem discriminar ninguém: pobres e ricos sempre foram iguais aos teus olhos. Não te importava o que podiam pagar mas sim o que o que podias fazer para os curar. Recebeste ovos pela Páscoa, um anho para o ensopado, um sorriso de gratidão e, às vezes, moedas... Deste tudo e conquistaste a admiração dos outros com a tua dedicação. Nunca desististe de ser bom!
Mais do que riquezas os teus filhos herdaram honra e orgulho, dignidade e princípios, um exemplo a seguir...
Mas para mim mais do que um grande médico, com uma carreira brilhante, foste avô. Aquele que adorava passar horas a contar histórias; aquele que sabia de cor o nome de todas as ruas de Évora e o percurso dos que por ali passaram; aquele que aos 70, 80 e 90 desejava continuar e descobrir a alegria de cada dia; aquele para quem o mundo parecia um livro aberto...e a vida uma oportunidade a agarrar.
Mas também aquele que dizia com orgulho que eu era a sua única neta alentejana. Aquele que andava com a fotografia da família na carteira, e no coração, e mostrava aos amigos com vaidade.
“São bonitos, não são? Saem ao avô!”- dizias.
Acho que esta cidade nos reconhece nas tuas conversas, sabem quem somos e o orgulho especial que tinhas em cada um de nós.
Eu não sei se alguma vez te disse...talvez entredentes ou muito baixinho...mas também me orgulho muito de te ter tido como avô. Não sei se nas feições somos parecidos mas espero que o seja no coração.
“Bom dia sô doutor”, “Boa tarde sô doutor”...Andavas pela cidade, de fato completo e chapéu, nunca descuidando a elegância e simpatia. Todos faziam questão de te cumprimentar e a todos retribuías com delicadeza: tinhas sempre uma palavra agradável para dar.
No teu funeral alguns desses se aproximaram de nós para manifestar a sua pena: “Eu não o conhecia o sotôr, só da rua, não o conhecia realmente mas ele era sempre tão simpático com toda a gente” – explicavam entre lágrimas e um pesar sentido.
Avô, tu sabias saborear cada sensação e aproveitar cada momento. Gostavas demasiado de conhecer, de comunicar em todas as línguas, de perguntar, de conviver...das pessoas, da vida e das inúmeras memórias felizes, que nunca paraste de coleccionar, e que te faziam sorrir.
Até ao último momento, no leito da morte, perdeste a voz e voltaste, por breves segundos, para dizer que estavas vivo.
Sempre me pediste para que te lesse os meus textos. Nunca te fiz a vontade porque achei que eram íntimos. Desculpa! Este é íntimo e público, espero que atravesse todas as fronteiras e chegue a ti.

O currículo oficial: Licenciado em Medicina e Cirurgia, pela Faculdade de Medicina de Lisboa desde 1940, ainda exerceu na capital mas veio para Évora ajudar o pai na sua clínica. Abriu o seu primeiro consultório. Fez uma pós-graduação em tisiologia. Foi director do dispensário de Évora (ou melhor, do Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos). Foi registado pela Ordem dos médicos como pneumologista. Foi irmão e funcionário do Hospital da Misericórdia (futuro Hospital distrital de Évora), director das enfermarias de medicina e de tuberculose e chefe de clínica médica. Acrescentou ao currículo o curso de ciências pedagógicas da Universidade de Coimbra e o de Higiene do Instituto Ricardo Jorge. Ensinou na Escola de Enfermagem de São João de Deus, em Évora. Foi médico da CP, Médico-Chefe do Posto de Évora, médico ao domicílio sempre que fosse requisitado. Médico da Corporação de Bombeiros Voluntários. Presidente da Junta Diocesana da Acção Católica, membro da Liga Eucarística e da Conferência de S. Vicente de Paula, da Sé de Évora, médico do Seminário Maior de Évora e do Paço Arquiepiscopal. Membro da Irmandade do Senhor Jesus dos Paços. Membro da sociedade francesa –União Internacional contra a Tuberculose e Doenças Respiratórias. Distinguido como membro da Ordem dos Templários.